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5 anos ago · · Comentários fechados em Sintomas Contemporâneos na Clínica Psicanalítica

Sintomas Contemporâneos na Clínica Psicanalítica

Prof. Dr. João Angelo Fantini

O chamado freudiano sempre foi de fazer a psicanálise do seu tempo. Longe das cristalizações acadêmicas ou das associações e facções, a psicanálise permanece na busca de entender os sintomas de cada época. Falar em sintomas contemporâneos, neste sentido, longe de tratar-se de uma maneira nova de ver a psicanálise, trata-se de repensar sempre a clínica a partir das condições sócio-históricas que se apresentam. Sintomas contemporâneos, assim, são o pensar não para uma “subjetividade” positivada no sujeito, mas pensar este sujeito como resultante das cadeias simbólicas para além dele e das quais ele é resultante.

Os sintomas encontrados na clínica atual não são aqueles que Freud encontrou na Viena de sua época já que os diagnósticos feitos à época levaram em conta o conhecimento acumulado pela psicanálise até então. A parte a obviedade desta afirmação, grande parte dos psicanalistas

pensam nosso tempo como um momento radical de reconstrução teórica e pratica. Para entender o termo Sintoma Contemporâneo ou Social é preciso ir além da definição de sintoma como experiência subjetiva, resultante da função paterna no complexo de Édipo, que fixa e caracteriza o gozo do sujeito: o sintoma social diz da entrada do sujeito no discurso social, isto é, na forma como se distribui o gozo nas relações sociais e quais as perspectivas, orientações e soluções para as quais estes comportamentos apontam.

Depressão, transtornos de ansiedade, toxicomanias, transtornos alimentares constituem o grosso da demanda psicoterápica atual, para a qual a psicanálise teria a oferecer um discurso – diferente em alguns casos e complementar em outros – ao discurso predominante de intervenção psiquiátrico com suporte nos medicamentos. O desafio da psicanálise continua a ser (como era na época de Freud), transformar uma prática de gozo em um sintoma analisável, isto é, tentar analisar/decompor/contrapor uma prática social repetitiva de gozo a uma saída que não seja narcísica, mas construtiva da perspectiva das sociedades.

O primeiro obstáculo relativamente consensual hoje é a substituição da sociedade de massas (tão bem teorizada pela Escola de Frankfurt) pela ‘multidão de Uns’. Traduzido em termos teóricos, trata-se da troca da relação com o Outro (da diferença da identificação resultante da castração simbólica) pela relação com o Um (a insígnia narcísica que marca/identifica anonimamente o sujeito a um grupo): o sintoma social contemporâneo, assim, funcionaria como uma homogeneidade sustentada pela promoção de um traço particular dos sujeitos.

Da perspectiva psicanalítica este estado de coisas tem relação com o declínio das formas de identificação inscritas na cultura (a função paterna) que sustentaria através do processo de castração simbólica, isto é, aquilo que o sujeito imaginariamente perde (narcisismo) para entrar no discurso social, nos ideais de construção social. Nesta linha, o processo de identificação vertical (a intervenção do grande Outro, a entidade que organiza a realidade por nós) é substituído pela identificação horizontal (a identificação com o Um, o gozo autístico, onde não há interferência dos ideais do Outro).

A ideia clássica de identificação carrega em si o conceito de transgressão, que pode grosseiramente ser reduzida a fórmula: qualquer desvio da norma (transgressão) gera alguma forma de segregação. Neste sentido, o Outro funciona como parâmetro de alteridade, ou seja, há uma “saída” identificatória: o sujeito pode fazer diferença do Outro. Assim, dizia Freud, o que une os homens em sociedade é sua mutua identificação como seres faltantes, como sujeitos que tiveram seu gozo narcísico (fusão com a mãe) barrado pela lei simbólica (a lei paterna). O declínio da função paterna, longe de traduzir o fim do patriarcado, significa a queda de sentido da interdição simbólica na cultura (e não do “macho”).

A identificação horizontal pode ser pensada na relação com o Um, isto é, o idêntico a si mesmo, onde o processo de segregação não é mais a exclusão social, mas a homogeneização, o gozo autístico sem interferência do Outro. Assim, o particular não mais se coordena com o universal, ou seja, o sacrifício individual (a castração simbólica) não faz sentido com o discurso do bem-estar geral da humanidade. Dito ainda de outra maneira, a homogeneidade não significa mais a participação no todo (a comunidade de seres faltantes), mas uma identificação pelo idêntico a si mesmo, que segrega não pela exclusão, mas pelo excesso de identificação: longe de sentir-se participante ativo do mundo, o sujeito sente-se mais e mais uma peça na engrenagem do consumo.

Globalização & Sintomas contemporâneos

O mercado global pode-se pensar, cria demandas estandardizadas de consumo na medida em que cria a falta ao mesmo tempo em que propõe um produto como semblante do objeto a, causa de desejo. O consumidor de drogas hoje, por exemplo, longe de buscar o traço de diferença (transgressão) evidenciado nos anos 60 e 70, atende muito mais a lógica de consumo do capitalismo. Nesta lógica, não há “excluídos” do sistema, pois todos (até mesmo o vendedor de chicletes contrabandeados no semáforo) atendem as regras do capitalismo, fazendo o capital girar o mais rápido possível. Em Proposition of  9 october 1967  Lacan já propunha que o rearranjo dos grupos pela universalização da ciência e o avanço do capitalismo conduziria as pessoas a um ‘mercado comum’, onde o imperativo da completa satisfação do desejo sustenta não mais um superego da culpa porque o sujeito fez (o possível dentro das possibilidades), mas pelo que ele não fez (a impossível totalidade das possibilidades). Comicamente, a função paterna assegurava ao sujeito a tristeza de que ele sendo Wood Allen poderia ter vencido Mike Tyson se não ‘tivesse sido impedido’ (castração), enquanto hoje o sujeito que ‘tudo pode’ sofre a angustia de ter que enfrentar Mike Tyson. Mais comicamente ainda, o sujeito (homem) sabia que existia uma distância intransponível entre ele e uma estrela de cinema (objeto velado – barramento simbólico ao objeto causa do desejo), o que gerava uma frustração e posteriormente uma sublimação/deslocamento da libido para outra atividade (casamento, filhos, trabalho etc.), enquanto o sujeito atual fica angustiado pela ‘real’ (objeto em cena – acesso imaginário ao objeto a) possibilidade de atingir o sublime objeto de desejo…

A interdição da lei simbólica sustentava no sujeito a certeza de que poderia ter feito, se não tivesse sido barrado: o resultado era um ódio que se transformava em admiração pela figura paterna. O processo de identificação horizontal contemporânea, pelo contrario não deixa alternativa ao sujeito: se ele não goza o suficiente, a culpa só pode ser dele. Este processo desloca o sintoma do plano cultural (o lugar de poder simbólico do pai na sociedade, a luta política) para a esfera do único depositário confiável do sujeito no mundo: o corpo. Da perspectiva política, a ética psicanalítica busca a reintrodução da divisão das subjetividades – a particularidade de cada um com o Real – contra uma subjetividade standard. A psicanálise está também em jogo: ou ela é capaz de subjetivar este gozo autístico do Um (onde o analista faz o papel de ligar S1 ao S 2), isto é, seja capaz de fazer o sintoma funcionar como demanda (passar pelo Outro da linguagem), dar significado ao (Real do) gozo ou será abolida como discurso: como disse Lacan em Televisão o discurso da psicanálise – fundado no não-todo (pas-tout) deve estar fora do discurso capitalista.

Na clinica psicanalítica contemporânea parece repetir-se o evento dos anos 50, quando a psicanálise teve que defrontar-se com o que era tido como seu limite, a psicose[1]. Novamente, a psicanálise parece estar se deparando com um novo limite. Da perspectiva teórica, conceitos como consciência, percepção, mente, entre outros tem sofrido ataque insistente desde os filósofos pragmatistas (Richard Rorth, por ex.), passando pelos chamados neo-cognitivistas (Dennet, Flanagan, Paul e Patrícia Churchland, por ex.) e chegando aos teóricos da psicanálise contemporânea (Jacques Alain-Miller, Slavoj Zizek). Do lado da demanda clinica, Depressão, transtornos de ansiedade (crise de pânico), estados bordelines, toxicomanias, bulimia, anorexia esperam respostas para além dos medicamentos psiquiátricos, para o papel que a psicanálise se propôs desde sua fundação, qual seja, um espaço para emergir o sujeito.

[1]. Ver em Miller, Jacques-Alain: ‘Primera conferencia brasileña, El Sintoma Charlatán, Ed. Paidos, p. 24; e Miller, J.-A. and Laurent, E. (1997) ‘L’ Autre qui n’existe pas et ses comities d’éthique’.in La Cause freudienne: Revue de Psychanalyse 3 5, 7 – 20.

 

Tags: Categories: Psicanalese

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Renata Cuch

transtorno depressivo compulsivo (TOC), Transtorno Bipolar, Transtorno de fobia social (Ansiedade social, fobia social), anorexia, bulimia, depressão, Transtorno de Dismórfico Corporal (TDC), Transtorno de personalidade Borderline, Stress, Estresse pós traumático e depressão pós parto, Alcoolismo e Drogas.