A princípio, se faz necessário pensar que a psicanálise no século XXI, está para além de uma concepção delirante que interroga o que não é palpável e se ancora no discurso, mais que isso, é a partir das formulações freudianas, que a prática psicanalítica se encaixa como “uma parte preciosa da realidade”.
A falsa moral, as crenças populares e manifestações metafísicas, baseadas em crenças calcadas em entidades sobrenaturais, deram lugar à etiologia do sofrimento que estudamos como as neuroses da psique humana. Nesse sentido, entendemos que a psicanálise, se preocupa com os embates da concepção ou constituição do sujeito e, portanto, serve de recursos para aqueles que mergulhados no ponto agudo da dor ou na impossibilidade de compreensão sobre o que lhes faz sofrer, apelam por uma saída.
Nesta clínica a possibilidade de cura advém por meio da fala e está diretamente relacionada com transferência que se instala através da escuta do analista. Na perspectiva psicanalítica a arte, a mitologia e poesia tem função simbólica e serve como ferramenta clínica na interpretação dos discursos daqueles que sofrem. “A poesia faz ouvir a música do ser. Nada é mais misterioso que a música que se faz ouvir através da fala. Se escutamos alguém falar, podemos ouvir as notas musicais”. (Alain Didier-Weill) Eis o acontecimento psíquico do “vir a ser” sujeito do inconsciente, tal como fora postulado por Freud.
Para a psicanálise as tragédias Gregas têm muito a nos oferecer, o Édipo Rei de Sófocles serviu como tela para os estudos freudianos acerca da constituição psíquica das estruturas que regem o humano. Não obstante, a psicanálise precisou recorrer também à trama de Hamlet, escrita por Shakespeare, para aludir a respeito dos processos e mecanismos inconscientes que falam do sujeito como base das investigações psicanalíticas. Todavia é na interpretação dos sonhos que temos, sobretudo, a compreensão da tragédia de Édipo como pano de fundo para evidenciar o efeito que essa dinâmica imputa sobre a relação de afeto e identificação do sujeito, tal como no desfecho angustiante vislumbrado pelo oráculo na trama sobre o destino de Édipo.
Quanto a isso, Freud é astuto e não deixa de evocar diversas obras de artes. E, portanto, a literatura serve às investigações psicanalíticas como uma ilustração simbólica da realidade. O intento é ilustrar o ponto de sofrimento humano e, atesta que do mesmo modo que uma experiência acontece, a angústia, o sintoma e a repetição que operam como mecanismos de defesa do ego podem reeditar seu caráter original, possibilitando uma vasta cadeia de significação.
É aí que entra o papel do analista na via do tratamento. A escuta clínica viabiliza a leitura e interpretação sobre os fenômenos que aterrorizam e impedem que o indivíduo siga o curso mais saudável de sua existência. A psicanálise aposta no saber inconsciente da produção artística, se distanciando da literatura tradicional que apresenta relatos com foco na ficção ou contos. Neste sentido, as obras literárias são utilizadas como referências por meio de recortes ou fragmentos importantes que o saber psicanalítico vai utilizar como subsídio no curso de suas investigações epistemológicas. Deste modo, a análise auxilia na compreensão sobre os fenômenos experienciados pelo indivíduo na tentativa de minimizar o sofrimento.
Os indivíduos que nos chegam à clínica discursam sobre seu sofrimento de maneira semelhante as das descrições de obras da ficção e mitologia. A psicanálise neste sentido torna-se uma possibilidade de ganho no curso da terapia, o método serve como ferramenta ao analista para questionar ao sujeito sobre o que sabe de si, no tocante àquilo que o torna singular, essa é a trilha que leva à cura. A abordagem apresentada serve como método terapêutico que possibilita ao analisante alcançar os conteúdos desconhecidos à sua consciência, mas que falam de suas angústias e medos, o papel da análise consiste em propiciar um espaço de ressignificação por meio da transferência.
Em contrapartida, o setting terapêutico (consultório) torna-se o espaço de confronto com o horror que habita em cada um. No entanto, é neste lugar de estranhamento que o familiar poderá vir à consciência, por isso a análise, de modo positivo, repercute terapeuticamente na vida das pessoas. A psicoterapia de abordagem psicanalítica tem a capacidade de interpretar e tratar os sintomas, que emergem na fala do analisante e que corresponde às suas emoções e à sua unidade mais profunda, a saber: o desejo.
A clínica que investiga o sintoma, objetiva conduzir o sujeito no reconhecimento de si mesmo e com isso, aprender a lidar com as frustrações. O alívio almejado pelo paciente surge no decorrer das sessões e depende do investimento e implicação do sujeito que procura a análise. Deste modo, a psicanálise propõe que o sujeito precisa aprender a lidar com o sofrimento, que quase sempre, é decorrente de uma falta. Todavia, a falta é fundamental para a existência humana, ela nos mobiliza à vida. Nesta perspectiva, cabe ao sujeito reinventar-se diante da angústia que o aterroriza e o desampara, para assim, fortalecer o seu Eu.
Na associação livre calcada na fala do paciente, a psicanálise espera que ao narrar sua história o indivíduo consiga produzir sentido, pois ao mesmo tempo em que fala, ele também torna-se espectador da trama rejeitada pela sua consciência, mas que está viva e latente no inconsciente a espera de ressignificação. É necessário estar atento a diversos incidentes no decorrer da vida, muitas das vezes, o sujeito não é capaz de enfrentar determinados contratempos sozinho, principalmente, aqueles relacionados às frustrações amorosas; uso de drogas; ou pressões de trabalho. Tais ocorrências fazem com que as relações sociais sejam afetadas por meio do descontrole emocional ou pela falta de compreensão da própria realidade em que vive.
Neste sentido a psicoterapia serve como espaço de expressão e reconhecimento do sofrimento que o sintoma expressa no corpo ou discurso do indivíduo. Neste embate é preciso estar atento às diversas ofertas “terapêuticas” e o recurso da internet, que faz com que os pacientes, já cheguem ao consultório com um diagnóstico pronto, a fim de obter uma resposta clínica, para alívio de seu sofrimento em curto prazo. Diante disso, a clínica psicanalítica propõe uma possibilidade de dialogar com os sintomas e o mal-estar que estão tão vivos nos dias de hoje. O objetivo é reconhecer o quadro clínico (sofrimento psíquico) e suas configurações como parte limitadora do sujeito, para tanto, no setting analítico os sintomas são interpretados por meio da fala, cabendo ao analista dar-lhe sentido a partir de cada contexto e, por isso, a análise é capaz de entender aquilo que impede o sujeito de avançar na vida e lhe causa sofrimento.
Com a análise a pessoa torna-se capaz de realizar algo que faça toda diferença em sua vida. “No fim das contas”, não se trata de uma tarefa fácil, nem custa pouco, literalmente falando. O que precisa ser levado em conta no tocante ao investimento financeiro e de tempo, são os ganhos na vida cotidiana. Recuar a um tratamento, por questões econômicas, não garante que seja uma alternativa lucrativa. Para existir, o sujeito precisa aprender a ver-se com o que o incomoda de maneira mais ínfima, para tanto é preciso, tal como contado na mitologia, pagar o preço.
Essa era a lógica que na mitologia grega nos ensinava Caronte o barqueiro das almas!